sábado, 5 de abril de 2008

bate-pronto EDGAR VASQUES

Vivendo para desenhar,
desenhando para viver




A trajetória do Edgar Vasques é a das suas linhas. Desconte-se o tempo no berço e dá pra dizer que desenha desde que nasceu. Para quem faturou o primeiro cachê gráfico já aos 14 anos, sua carreira acumula quase cinco décadas. Pela produtividade contínua e tanto espaço preenchido, dá pra avaliar a importância da criação do Edgar: a história social, cultural e política do Brasil permeia seu acervo, publicado ou não. Com a versatilidade de quem joga nas doze (é chargista, cartunista, caricaturista, quadrinista, ilustrador, sketchista e domina nanquim, grafite, aquarela, pincel, lápis e bico de pena), sua capacidade só foi driblada pelo mercado atual, que goleia os artistas gráficos em vários campos. Como aprendeu de tudo - na faculdade de arquitetura, em viagens à Europa, atuando em dezenas de veículos - o Edgar tem muito a transmitir. E é o que mais faz, com a consistência dos veteranos e o entusiasmo dos iniciantes, quando discorre sobre arte ou quando seu traço escorre no desafio da brancura. Ops, o Tinta China tá chovendo no alagado. O pai do Rango e fundador da Grafar que fale:

Tinta China – Como artista gráfico, qual a sua atividade principal?
Edgar Vasques – Alem de fazer ilustrações, caricaturas, charges, cartuns, HQs e aquarelas, minha principal atividade é simplesmente tentar sobreviver com tudo isso.

Tinta China – Como você negocia os valores de seus frilas?
Edgar Vasques – Procuro ter um piso, um preço mínimo p/ cada tipo de trabalho. Acima disso depende do cliente, do tipo e do volume de trabalho.

Tinta China – Como é um dia típico de trabalho para você?
Edgar Vasques – Sou muito dispersivo, custo bastante a me concentrar. Então, quando engreno, também custo a parar. É comum começar a trabalhar às seis ou sete da noite e seguir até quatro ou cinco da manhã.

Tinta China – Por onde você começa uma tarefa?
Edgar Vasques -- Fico rabiscando imagens e anotando possibilidades de piadas, às vezes lendo ou olhando imagens de autores que me agradam até ter a idéia para ilustração, charge ou cartum. Na caricatura, o processo é tentativa e erro: de posse das referências (fotos) vou evoluindo, do retrato para o exagero humorístico, experimentando várias hipóteses. Nos quadrinhos, o processo é mental. Quando chego no papel, já tenho a HQ mais ou menos pronta na cabeça, e começo fazendo um diagrama da tira ou de cada página, estabelecendo a composição dos quadros e a posição dos balões e textos. Só depois crio as ilustrações. Naturalmente, em todos os casos, quando necessário, há uma etapa de pesquisa de referências, em publicações ou na internet.

Tinta China – Quais ferramentas você utiliza e qual domina mais?
Edgar Vasques – Sou muito rápido pra obter um domínio razoável (útil) de qualquer ferramenta de desenho. As de uso mais freqüente são esferográfica, caneta tinteiro e ponta de feltro para esboços e sketchbook, e grafite e pincéis nas aquarelas e nanquim com bico-de-pena, pincel seco e cabo de pincel nos trabalhos finalizados. Esporadicamente, também uso lápis de cor, hidrocores, canetas técnicas, esfuminho, etc.

Tinta China – Que condições você exige ou depende para criar?
Edgar Vasques – Um mínimo de tranqüilidade em relação a questões externas ao trabalho. È quase impossível me concentrar preocupado com problemas “extra prancheta”.

Tinta China – Como você lida com os prazos?
Edgar Vasques – Aprendi na prática que a questão do prazo é quase sempre um jogo de empurra, em que cada parte envolvida na cadeia produtiva das artes gráficas industriais procura ganhar o máximo de tempo para si e jogar o stress para o próximo envolvido. Daí vem a necessidade de negociar o tempo: procuro negociar o melhor prazo para mim (é difícil dar prazo exato para uma atividade criativa), e depois cumpri-lo.

Tinta China – Como você mantém os originais que produz?
Edgar Vasques - Tenho tentado, ao longo do tempo, organizá-los da melhor maneira possível, mas com quase quarenta anos de produção, acho que é assunto pra algum bibliotecário profissional...

Tinta China – Quais suas primeiras e atuais influências?
Edgar Vasques – Quando criança, Carl Barks (cujo traço reconhecia, sem saber o nome), Canini, que aí pelos seis anos tentava imitar, depois Ziraldo, Al Capp, Carlos Estevão (que talvez seja a maior de todas), Goya, e uma lista infindável, porque tudo que vejo e gosto, de certa forma me influencia. Hoje, entre outros, gosto muito do trabalho (cor e p&b) de Carlos Nine.

Tinta China – Onde você busca informações para apoiar suas criações?
Edgar Vasques – Na cultura geral, tudo que aprendi na vida escolar, na literatura, cinema, música, viagens, vivências, etc. Nunca se sabe o que pode suscitar uma idéia, às vezes até um catálogo, um dicionário, uma conversa ou a mera observação do meio. Quanto a referências específicas, já respondi acima, no processo de trabalho.

Tinta China – Você tem preferência por algum tipo de papel?
Edgar Vasques – Claro, cada técnica de trabalho se cumpre melhor em determinado suporte. Pra quem, como eu, trabalha mais com aquarela ou nanquim, o papel mais qualificado é o Fabriano 330gr. Mas às vezes se obtém resultados interessantes fazendo experiências: eu descobri, por exemplo, que é possível fazer bico-de-pena legal em papel jornal ...

Tinta China – Quais macetes técnicos funcionam no seu trabalho?
Edgar Vasques - Bom, pra entrar nisso, seriam necessárias muitas entrevistas dessas...

Tinta China – Qual o seu maior conflito com o mercado?
Edgar Vasques – Acho que o mercado brasileiro, no nosso campo, não está preparado para dar conta (ou pagar a conta) da enorme qualidade dos artistas gráficos. Vejo dois problemas principais (não que não haja outros):
1. a desinformação de clientes, intermediários (agentes) e capitalistas (editores, etc.) a respeito das artes gráficas, desde definições e aplicações até critérios de qualidade.
2. a mediocridade e não-profissionalismo de agentes e capitalistas, que não cumprem seu papel de alavancar junto ao mercado consumidor o enorme potencial das artes gráficas brasileiras, fazendo a sua parte: investir na criação, produção, distribuição e divulgação.

Tinta China – Que dicas básicas você daria para um iniciante?
Edgar Vasques – Ponha pra fora, no seu trabalho, as influências que lhe impressionaram. Depois disso, deixe aflorar o se próprio estilo, e procure ter uma postura de artista, refletindo o meio em que vive, mesmo em trabalhos sob encomenda.

Foto: Hals

Um comentário:

Anônimo disse...

Ótima matéria!
So não entendi por que colocaram a foto do LULA?
louzada