tributo ANIBAL BENDATI (1930-2009)
A Grafar perde vários
mestres num artista só
Foto: Álbum da família
Para a imprensa, é o desaparecimento de um pioneiro e inovador do jornalismo gráfico, desde o Rio na década de 50 e RS depois. Para o mercado editorial, agora é um entusiasta a menos, que criou revistas e publicações pelo prazer de abrir espaços. Para legiões de estudantes de comunicação da UFRGS e da PUCRS, vai-se um professor capaz de transmitir paixão pela profissão. Para os porto-alegrenses que o conheceram por 50 anos, é o adeus a um argentino de coração gaúcho. Para as artes gráficas locais, é uma ausência multiplicada, pois se foram o editor, o diagramador, o chargista, o cartunista, o caricaturista e o quadrinista. Para nós, seus amigos de reúnas risonhas, de encontros pra jogar conversa fora em portunhol, de longos anos compartilhando humor, é uma perda coletiva, dezenas de discípulos sem graça. Para o Tinta China, uma oportunidade de reter o Bendati entre nós. Desenhando, ensinando ou hablando, o véio sempre nos fez rir.
BENDATI
Soy Anibal Bendati nascido em Bragado, el 11 de setembro de 1930, portanto estou na terceira adolescência, naturalizado brasileiro desde 64... E sempre festeje meu aniversário até 1973, quando o libertador Pinochet derrubou e matou Allende, apoiado pela grande democracia americana, que sempre apóiam os golpes na América Latina. E como continuam fazendo no mundo... Bueno, com 17 anos, comecei a desenhar na revista Mundo Boquence, depois em Pobre Diablo, Argentores, Hechos en el Mundo, e outras. Em 1956, fui convidado para ser secretário de redação de uma nova revista semanal humorística, Picardia Universal, que durou 10 edições, porém, sempre temos um porém na nossa vida: ocurreou que esta editora, que tinha uma revista, que publicou uma matéria contra os milicos, que tinham derrubado Perón em 55 e que, por sua vez, não gostaram e simplesmente fecharam a editora e, logicamente, ficamos desempregados... Essa noite, lendo um jornal, Liotta e eu vimos que Lan estava no Rio de Janeiro e tinha chegado a Buenos Aires. Resolvemos ir a falar com ele... Foi um papo bacano... Lan gostou de meus trabalhos e falou que podíamos ir a Rio, que conseguiria emprego... No dia sete de agosto de 1957, chegamos ao Rio e, em primeiro de setembro, comecei a trabalhar na Última Hora e, em fevereiro de 60, vim junto com seis colegas para a UH gaúcha. Com o fechamento do jornal, fundamos a Zero Hora... Posteriormente, comecei a trabalhar na Caldas Júnior até 74, quando comecei a lecionar na Famecos, logo na Fabico até 92, onde me aposentei. Sempre diagramando, reformulando jornais do interior, fazendo peritagens gráficas, charges, capas de livros e outras cositas. Pois a gente não pode parar, pois sempre o corazon gosta de palpitar com as cositas de la vida... Em 60, me casei com a Iára, uma das primeiras meninas formadas em jornalismo, tivemos duas filhas, Maria Mercedes, bióloga (me deu uma neta Lorena), e Lucia Helena, atriz. Em 98, a Iára nos deixou, foi um ano muito duro...Porém, tenho um grande amigo, Asterix, que sempre me acompanha, dando palpites com o rabo abanando... O tempo foi passando, faz quatro anos, conheci a Ruth, uma setentona simpática, viúva e felizmente nos estamos dando bem, as filhas, a neta e o Asterix gostam, e a filha dela também gosta de este portenho, levemente tanguero... Enfim, la vida es uma milonga y tenemos que bailar sempre...
(Auto-apresentação da antologia da Grafar de 2005, Edição de Risco, e lido pela família no funeral em 16/8/09)
AZEITONA
BIER
Essa eu vi quando era aluno do Bendati, no Jornalismo da Famecos, em 1983. Fui durante uma aula da disciplina de diagramação. Ele nunca deixou de falar em portunhol e muitas vezes falava soltando a fumaça do cigarro pelo nariz. A nicotina deixava o seu bigode grisalho com um tom amarelado. Era considerado um bom professor e um profissional leal aos colegas. Seu jeito irônico era uma das razões para que ele fosse muito querido pelos alunos. (Bier)
BIRA
EDGAR VASQUES
Anibal Bendati era um sujeito simples e suave, firme no que pensava. Mas sua grandeza residia na generosidade: usou a condição de fronteiriço (entre países, entre gerações) para obter e espalhar conhecimento, ensinando, aconselhando e abrindo portas. Entre o Prata e o Brasil, foi companheiro, amigo e/ou professor de todos os grandes grafistas, participou de tudo que foi importante. Foi, como Sampaulo, Mottini, Joaquim da Fonseca e Sampaio, entre outros, um dos elos da grande corrente que uniu várias gerações de cartunistas quando a gente inventou a Grafar. Sóbrio no traço limpo (que construiu na escola portenha) tinha uma graça humanista, que perdoava a condição humana mas nunca as desumanidades. No dia em que o conheci, há quase 40 anos, me aconselhou: "Tchê Pibe, suja menos o papel, pra que tanto preto, tanto nanquim?" Sigo tentando, maestro.
(Edgar Vasques)
FRAGA
A minha homenagem ao Bendati é a mesma que fiz em 1980, no meu único livro solo, Punidos Venceremos: “Agradeço ao Juarez Fonseca pelo meu início amador e ao Anibal Bendati pelo meu começo profissional. Assim, se alguém tiver alguma reclamação após a leitura do livro, que a faça a eles.“ Eu a repito agora porque o mérito permanece inalterado: gratidão, qualquer grato sabe, não prescreve nunca. É que em 1973, a convite do Bendati, passei a colaborar regularmente com um veículo pela primeira vez na vida, com inédito cachê a me encher o bolso e o ego. Na revista Carrinho (apenas uma entre tantas iniciativas dele) patrocinada por um rede de supermercados da época, o Bendati era um entusiasmado faz-tudo: pauteiro, editor, diagramador, ilustrador, impressor, distribuidor. E em todas as funções, o mesmo agitador cultural, alguém a contagiar a equipe com aquele humor de sotaque. Por tudo isso e mais uma lista de gracinhas, era fácil gostar do Bendati. Só que ele gostava muito antes e mais rápido das pessoas. (Fraga)
LANCAST
LUIS FERNANDO VERISSIMO
Sobre o Bendati: trabalhamos juntos na antiga Zero Hora, editamos juntos a revista "Carrinho", e ele foi um grande companheiro. Ser bom companheiro também é um talento. Acrescente-se este a todos os outros talentos do Bendati.
(Luis Fernando Veríssimo)
SANTIAGO
A melhor maneira de falar do Anibal Bendati é contando um causo: uma vez convidamos o cartunista argentino Crist para o Salão de Desenho de Imprensa Saí com Crist e por acaso encontramos o Bendati. Apresentei os conterrâneos e o Bendati, vindo da Argentina há muitos anos, usou a expressão portenha "un quilo y dos pancitos" para designar uma coisa muito boa. Quando nos afastamos o Crist morria de rir e comentou: "este hombre usa una gíria porteña en desuso hace 30 años!!!" Pois a grande diversão com ele era brincar com o seu forte sotaque castelhano, ao que se vingava beliscando a bunda das mulheres. Bendati saiu de Buenos Aires, onde fez até teatro, no auge do sucesso de uma revista satírica. Por isso Perón queria a sua cabeça e a mão de desenhar. Foi parar no Rio de Janeiro e de lá para Porto Alegre, onde ensinou uma coisa desconhecida chamada diagramação (os jornais até então eram feitos na base do "carco aprochimado"). Conheci seus desenhos quando era guri lendo as revistas da lendária Cooperativa de Quadrinhos que o Brizola inventou na década de sessenta. Mais tarde vim a desenhar para o seu jornal "Carrinho" que ele fazia circular nos supermercados (como todo bom carrinho). Um dia desapareceu levado encapuzado pelo DOPS, reapareceu semanas depois relatando, lá na casa do Verissimo, a sua terrível experiência. Nos últimos anos, já aposentado da PUC, me surpreendi com a sua familiaridade com o computador, inclusive desenhando com a máquina. Foi aí que criei vergonha e resolvi aprender a lidar com o bicho. Depois que a sua maléfica diabete agravou, visitei-o algumas vezes e quando me contou, muito triste, que o seu perro Asterix tinha morrido, senti que o velho estava no fim. Foi a última vez que tomamos juntos um "cafêssinho". (Santiago)
UBERTI
Conheci o Bendati no início dos anos 70. Eu publicitário, ele jornalista. A nossa convergência eram as artes gráficas o cartum e as idéias. A lembrança que fica, era de um sujeito afável, piadista, fumante inveterado e uma notória deficiência; nunca aprendeu a falar o português, apesar de ter vivido quase 50 anos no Brasil. Às vezes no meio de uma conversa eu pedia pra ele dizer pauzinho, só pra chatear. (Uberti)
(Leia o obituário de Bendati no Coletiva.Net, aqui.)
7 comentários:
Cumprimentos a Grafar. Bacanas as homenagens de reconhecimento. E para que não conhecia, uma bela apresentação do homem e do artista.
Conheci o "Benda" na PUC como professor. Eu fazia PP e o meu irmão Beto, jornalismo. Isso foi de 78 a 82. Eu matava as aulas de ética e EPB para assistir as aulas do Bendati de diagramação de jornal. A Iara também foi minha professora de Teoria da Comunicação.
Ele sempre contava um causo muito engraçado quando chegou aqui pra trabalhar em jornal. O chefe de redaç∫ao que ia contratá-lo perguntou "Você já trabalhou com Cícero?" (referindo-se a medida usada para diagramar jornal). E o Bendati lascou: "Não. Só com o pai dele". (CADO)
Bendatti era maravilhoso e engraçado. Adorava beliscar o bumbum das mulheres, sorrindo com ar brincalhão. Todas o amavam. Atuou até o final como cartunista ativo, ligado a Grafistas Associados do Rio Grande do Sul (Grafar). Foi citado no livro Guerra dos Gibis de Gonçalo Júnior como um dos fundadores da Cooperativa de Desenhistas de POA (Cepta). Diagramava o jornal da Ufrgs há anos e ainda fazia charges, utilizando computador para criar efeitos de pintura. Conheci-o na Grafar. Foi no lançamento do meu livro Revolta dos Motoqueiros, na Saraiva, onde beliscou a bunda de todas. Tornou-se o assunto do lançamento. Deu-me alguns desenhos para projetos futuros que ainda estão aguardando estímulo para acontecer. Trabalho hoje com projeto gráfico e já tive um jornal para rede de supermercados. E tenho Anibal como uma pessoa que nunca esmoreceu.
Bela homenagem ao nosso querido Bendati. Parabéns aos editores do Tinta
Queridos, uma bela homenagem e muito me emocionou. Numa mistura de lágrimas e risos acompanhei cada relato e traço sobre o nosso Bendati com muito orgulho dos recuerdos que ele deixou. Respirem aliviadas, bundas femininas, e tomemos muitos cafêssinhos acompanhados por un "pitílio fumatérico" em homenagem ao Benda. Obrigada pela manisfestações. Lúcia Bendati
Tem gente que entrou para o Jornalismo em função de "Todos Os Homens do Presidente". Eu segui a profissão porque me tornei amigo da família Bendati, a quem tenho como pais e irmãs. E cachorros.
Maravilha. Bela homenagem. Comovente.Nasceu hoje para mim.
Postar um comentário