datas SALVAI O 15 DE JUNHO, Ó CARTUNISTAS!
Dois gigantes do desenho nasceram nesse dia.
Isso não pode passar em (papel) branco.
Existe o Dia Internacional do Cartunista? Ninguém sabe, ninguém riu. Na internet, são encontráveis datas aparentadas, como o Cartoonists Day nos EUA (5 de maio) ou o Dia do Quadrinho Nacional no Brasil (30 de janeiro). Mas um dia que represente e festeje mundialmente o trabalho dos artistas que fazem humor gráfico e quadrinhos – incluindo a denominação "cartunista", que me parece a mais completa e simpática – esse não existe. Ou é tão obscuro que nem o Google o garimpou no calendário. Pois nesse vazio comemorativo, que tal indicar uma data? Sugiro uma, ideal, a qual já lamento pois já passou: foi ontem, dia 15. Essa deixamos escapar.
Olhem só: 15 de junho é o dia em que nasceram dois dos maiores nomes da não tão breve história dos cartuns e dos quadrinhos: Saul Steinberg e Hugo Pratt, cada um na sua praia, os dois no mesmo litoral dos mestres. Quem sabe um mínimo de quem falo, reconhece o peso que estes nomes têm, ainda mais assim, lado a lado numa mesma linha, compartilhando uma só homenagem; quem não sabe nada, tsc, tsc, ainda tem muito feijão pra comer antes de querer se merecer o título de "cartunista".
Steinberg e Pratt foram artistas de estilos muito diferentes, mas tiveram duas características em comum: obras que influenciaram (e segue assim) um meio mundo de artistas gráficos da metade do século 20 pra cá e vidas que poucas vezes se misturaram tanto aos seus trabalhos. Saul vivia (criava) a vida numa atmosfera de humor nonsense e sagaz; Pratt foi o anti-herói de sua vida, mergulhada em aventura. Estão aí essas fotos que não me deixam exagerar.
Saul Steinberg, nascido em 1914 na pequena Ramnicul-Sarat, Romênia, passou a infância em Bucareste e a mocidade em Milão, onde publicou os primeiros cartuns na revista Bertoldo e formou-se em arquitetura. Em 1941 foi para os Estados Unidos, fugindo da onda anti-semita que tomou a Europa, e lá firmou vida e obra. Sua trajetória artística é marcada pela busca constante de novas possibilidades gráficas e estéticas. Iniciando com um desenho de humor bastante tradicional e limitado, sofreu forte influência de artistas de vanguarda como Picasso e Matisse e trouxe isso para o cartunismo. O resultado foi a criação de uma obra que extrapola todos os limites até então conhecidos do desenho de humor, algo que vai muito além da pura piada. Ninguém voou tão alto, nenhuma pena viajou tanto quanto a de Steinberg. Foi o artista que desenhou o que parecia indesenhável. Prova magistral disso é sua série de cartuns onde parte da figura de músicos para desenhar o som. De suas linhas ouve-se o timbre de violoncelos, trombones e harpas, perfeitamente afinados, livres.
Outros de seus clássicos são a série de diplomas ricamente graficados e carimbados mas que nada dizem, e o mapa dos Estados Unidos segundo os novaiorquinos, publicado na capa da New Yorker, revista que o consagrou. Misturou seus desenhos a fotografia, a escultura, a tipografia e a colagem. Foi um artista visual inquieto que usou da linguagem do humor pra surpreender sempre, até o fim de sua vida em 1999.
Hugo Pratt começou sua aventura na vida em 1927, na cidade de Rimini, Itália, mas ele considerava-se veneziano, pois em Veneza cresceu nessa cidade que despertou seu gosto por mitos e fantasias. Em 40 – enquanto Steinberg fugia dos fascistas – Pratt foi morar em uma colônia italiana na Etiópia, onde trabalhava o pai. Tornou-se assim, o mais jovem soldado do exército de Mussolini, aos 13 anos de idade. Seu corpo vestiu a farda da segregação, a alma não. Fez amizade com um jovem africano criado de sua família, aprendendo línguas locais e mergulhando na cultura africana. Essa experiência resultou numa das características mais marcantes de sua obra: o respeito por todas as culturas. O fato é que toda vida de Pratt resulta naturalmente na criação de Corto Maltese. Foi, como seu personagem, um viajante romântico e desgarrado. Viveu e viajou pelos cinco continentes, sempre atrás de elementos pras suas HQ.
Na Argentina, nos anos 50, conviveu e trabalhou com nomes como Hector Oesteheld (que muito o influenciou), Alberto Breccia, Salinas e o nosso Mottini. Foram anos de maturação no desenho e nas ideias que desaguariam no marinheiro abandonado no Pacífico uma década mais tarde, em A Balada do Mar Salgado, origem de Corto. A saga do personagem é a mais rica expressão do sentimento humano pela aventura e o fantástico lidos em Conrad, London e Borges que os quadrinhos já apresentaram. As manchas ora carregadas do negro nanquim, ora banhadas da luz da aquarela de Pratt, são uma aula de liberdade e simplicidade. Algo nada fácil de alcançar. Morreu em 1995, vendo seu Corto tornar-se, ao lado de Tintim e Asterix, um ícone da cultura europeia que extrapola o mundo dos quadrinhos.
Por essas e por muitas outras criações imortais, é que daqui em diante, com ou sem data oficial, todo o dia 15 de junho eu vou acender duas velas na ponta da minha mesa e sacrificar um gibi em reverência a esses dois gênios da nossa arte.
Saravá, Steinberg! Saravá, Pratt!
(Rodrigo Rosa)
12 comentários:
O cara se emocionou! Pra isso servem os rituais - pra lembrarmos de onde viemos.
Já comprei meu pacote de velas e não perco mais a data!
Simch
Parabéns, Rodrigo!
que beleza, cara.
Grande, Rodrigo!
Saravá!
Grato, meus queridos!
Uhhú, Amo os desenhos do Saul Steinberg, conheci seu trabalho na Universidade. Um artista e tanto! Hugo Pratt nunca ví.
Aprendo muito nessa vida.
Adorável.
Dinorah
Que bonito, Rosa!
Moa
Belo texto Rodrigão!
Tenho um parente italiano (mora em Porto Alegre desde 1952), cujo pai também serviu no exército italiano e fez a guerra da Abissínia.
Na ocasião conheceu e conviveu com o grande Hugo Pratt.
Uberti
muy bueno Rodrigo!
Ruben
UBERTI
E ESSA FOTO DE 1970?''
ISSO É PROPAGANDA ENGANOSA!!!
BELO TEXTO, SEU RODRIGO!!!
SANTIAGO
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