sábado, 27 de outubro de 2007

salões de humor SAINT JUST LE MARTEL

Em missão cultural, o repórter
Santiago cobre A Vaca Que Ri




A 12 quilômetros de Limoges e com 2.300 habitantes, a diminuta cidade francesa de Saint Just le Martel há 26 anos sedia um dos eventos de humor gráfico mais simpáticos do mundo. O seu Salão de Desenho de Imprensa muito mais um grande encontro e mostra mundial do que uma competição de cartuns. Para começar, o prêmio ao melhor cartunista é uma vaca, viva e puxada pela cordinha! O segundo lugar é uma ovelha e o terceiro um leitãozinho. Os ganhadores que se virem para carregar (foi a primeira vez que eu torci para não ganhar nada!). Nesta edição, o ganhador foi o cartunista Ali Dilem, da Argélia, que ganhou pelo conjunto da obra, obra essa que já lhe valeu vários processos e algum tempo na cadeia por intolerância política e religiosa. Durante um tempo o evento foi patrocinado pela famosa marca de latícinios "La Vache que Rit". Aliás, a expressão "humour vache", que caracteriza o Salão, é uma expressão muito usada pelos franceses para denominar humor irreverente e abusado.

A brincadeira inicia na Gare de Austerlitz, em Paris, onde se encontram os desenhistas do mundo todo para serem transportados no vagão especialmente cedido pela Rede Ferroviária. No guichê de informações ao ouvir a palavra "humour" até os mal humorados parisienses amolecem e informam com boa vontade. No vagão-torre de Babel tagarelam-se línguas diversas e diversas tentativas de falar línguas diversas. Nesse momento, a vaca, de nome Justine, ainda não se faz presente.

O próprio prefeito e inventor do Salão, monsieur Gerard Vandenbroucke, recepciona os convidados, entre os quais duas estrelas como Wolinski e Plantu, desenhista editorial do jornal Le Monde. Não preciso dizer que o prefeito se reelege sempre graças à repercussão do evento. Nesta edição, o tema foi o aquecimento global. "Ça chauffe" era a grande chamada. Nas dependências do colégio local, quase no campo, se armaram grandes toldos decorados com alegorias ao fogo. Nessa segunda vez que estive em Saint Just (a outra foi há 12 anos) a surpresa foram as maquetes dos grandes pavilhões que serão construídos até 2009 para que o lugar entre no mapa-múndi como referência do humor gráfico, com salas de exposição, biblioteca, videoteca e museu.


Ali Diem, 1o lugar do 26o Salão A Vaca Que Ri

Evidentemente, o lugar não dispõe de hotéis e aí entra um belo fator de convívio que são os albergamentos feitos pelos moradores da região. As refeições são sempre feitas num dos acampamentos, o Chapiteau, onde rola o vinho da região e a boa carne do gado limousin, raça que é orgulho da região e muito bem conhecida na nossa Expointer. Levando em conta que os franceses têm a mania de comer o filé quase cru, dá pra dizer que quase somos apresentados ao boi em pé. Outro momento divertido é quando o padre abre as portas da igrejinha em pedra de setecentos anos para servir aperitivos variados aos desenhistas. Paralelas à exposição principal, diversas exposições secundárias: o humor do Líbano e de Chipre, os franceses vistos pelos lápis dos suíços, a mostra do Museu Português de Imprensa do Porto (onde estavam vários cartuns brasileiros), a exposição Desenhos pela Paz organizada junto à ONU e algumas exposições em homenagem a antigos cartunistas franceses. Mas o local de maior afluxo são as mesas onde os desenhistas costumam caricaturar os visitantes. Ora, quem não vai querer, assim de graça, uma caricatura feita por profissionais de renome?

A rodada de debates com desenhistas de vários países girou sobre o tema que preocupa a todos, que é a censura, tema recorrente depois das caricaturas de Maomé e das grandes pressões econômicas atuais. Oportunamente, o cartunista e pesquisador Jean- Michel Renault lançou o livro Censure et Caricatures editado pela ONG Repórteres Sem Fronteira. São 240 páginas ilustradas de uma extensa pesquisa que começa com as figuras da Michelângelo na Capela Sistina cobertas com mantos ou ramos por imposição dos papas e vem até os tempos de Sarkozy com as pressões políticas, econômicas e as intolerâncias religiosas fundamentalistas. Na mesma semana o quase centenário semanário humorístico independente Le Canard Enchainé colocou nas bancas um dos seus "Dossiers du Canard" chamado "Os novos censores", onde relata diversos casos de censura na imprensa francesa nos últimos tempos e traz na capa uma ilustração do caso da separação de Sarkozy e Cecília, que a mídia francesa mocozeou até o fim . O Canard se orgulha de ser um dos raríssimos casos de jornal que sobrevive só das vendas e recusa anúncios, daí a sua independência. Não faltaram também brados de alerta contra o fantasma da auto-censura, "une chape de plomb qui assomme notre presse", como afetuosamente escreveu Jean Renault na dedicatória do meu exemplar.
(Santiago)


Saint Just le Martel, a simpática cidade do "humour vache".

Um comentário:

Claudinha disse...

Fiquei surpresa em saber que a RSFronteiras patrocinou este livro. Eles costumam ser "seletivos" nas suas denúncias de falta de liberdade de imprensa. Sem falar que recebem dinheiro do governo estadunidense e o pres. da ONG apóia a tortura. Bueno, como se diz, nem tudo é tão ruim assim. Que belo relato, Santiago! E que bela viagem!