quarta-feira, 25 de julho de 2007

tributo MEU AMIGO FONTANARROSA

Santiago rende sua homenagem a
El Negro, no Jornal do Comércio



“Os cartunistas do sul do Brasil não podem, em hipótese alguma, engrossar o coro das piadas anti-argentino alimentadas pelos locutores futebolísticos. A reconhecida qualidade dos desenhistas daqui, comprovada por prêmios em concursos, se deve em boa parte à influência dos grandes cartunistas argentinos que a proximidade geográfica facilitou. Oski, Landru, Quino, Crist, Carlos Nine, mais os uruguaios-portenhos Sábat e Tabaré, foram modelos para uma geração.

Perdemos agora um desses mestres, Roberto Fontanarrosa, conhecido como El Negro na sua querida Rosario, na qual nasceu e morreu, aos 62 anos. Duas de suas criações, "el gaucho" (pronuncie à moda castelhana) Don Inodoro Pereyra e o truculento mercenário Boogie, El Aceitoso, já estão definitivamente na história do humor gráfico universal.

Inodoro é um verdadeiro achado de humor, a começar pelo nome que imita a sonoridade dos nomes próprios campeiros, mas em argentinês significa vaso sanitário. Espécie de Martin Fierro às avessas, esse anti-herói, na frente do seu rancho, se encontra com os mais inesperados personagens, com os quais mantém diálogos de genial comicidade. Mandado a caçar um tigre Don Inodoro retornou com um gatinho e justificou "és que cuando me vió se achicó todo". Boogie, o cínico, às vezes até ingênuo matador, é um achado em termos de caracterização de tipo. Numa crítica feroz à violência incorporada na ficção e na vida estado-unidense o autor joga de maneira magistral com os lugares comuns do genêro policial. E afinal, o que seria do humor sem os clichês?



Nos últimos anos seu excelente texto encorajou-lhe a trilhar a carreira de escritor. Sempre usando como matéria-prima os carimbos do cinema e da literatura, ou os folclores do futebol da sua paixão, produziu onze livros de contos e três novelas. Num recente Congresso de Literatura em Rosario sua conferência Las Malas Palabras (em bom português, o velho e bom palavrão) arrancou risos e aplausos de uma multidão de escritores, literatos e lingüistas.

Pelo nosso isolamento lingüístico, sua obra é pouco conhecida no Brasil, mas extremamente popular nas Américas hispânicas. Mesmo assim, deu a honra de sua visita à Porto Alegre numa Feira do Livro da década de 90, e foi mal aproveitado pelos entrevistadores locais.

Há quatro anos teve o diagnóstico de uma tenebrosa Esclerose Lateral Amiotrófica que lhe foi atrofiando gradativamente a musculatura até que na última sexta-feira atingiu o coração. Vivia já em cadeira de rodas e desde o fim do ano passado não desenhava. Continuava a criar cartuns e histórias em quadrinhos que eram desenhados pelo cartunista cordobês Crist. A respeito de sua condição, com bom humor citava Inodoro Pereyra: "estoy mal pero acostumbrado".

Pelo que aprendemos, pela sua obra, pela valorização que deu ao nosso ofício, duplamente não levado a sério, pela boa amizade que cultivamos até o seu último momento, obrigado Negro Fontanarrosa.” (Santiago, em depoimento publicado ontem no Jornal do Comércio)

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